-1. Heróis e Vilões

"Ver para crer", São Tomé. Eu vi mas não acreditei.

Posto isto, imagina agora um prado de livros. Sim, folhas verdes, mas florescem códexes. A estes são chamados "finais felizes" e deles o vento arrasta sementes, pequenos caracteres negros, de uns para os outros. O vento carrega a tinta para as cores das flores e salpica aguarelas reluzentes. Sabem-no as bolhas de sabão, os sonhos ensimesmados, as águas de artifício, a alucinação.

Dantes esta terra estava privada de luz. São os teus olhos que nada vêem que a vêem de outra forma. Este jardim evita a contaminação do puro possível no real plausível. Aqui não estão em jogo noções éticas. A balança é imperturbável entre luz, escuridão e aquilo que delas decorre. Aqui o que está em jogo é a própria existência, o traço ou a borracha que não corrige mas censura.

Ao longe, como que num quadro de Ruisdael, uma montanha à luz ponderada da trovoada. Nela esconde-se uma maldição. Quando vês o teu reflexo na água que bebes, ouves os ecos semi-ilegíveis que codificam o conhecimento das mais curiosas ninfas. Aquele que os mais nefastos vilões procuraram saber. (E que eu descobri). Quando é que a imaginação extrapolou a ética da própria ontologia? Por que razão fomos condenados desde o era uma vez?

O pensamento e as histórias são como as linhas de cocaína: (1) uma de cada vez; (2) num único traço, numa única direcção. Condenados. Como tantos outros, eu tentei, agarrei e gritei. O que vi não merece o reflexo dos infernos (e louvado seja, que não estejamos a falar dessas ordens). Perfurou-se um buraco na alma: irreparável. E tudo o que não é uno é dissolvido no olvido; as almas viram cascas para corpos heróicos do outrora. Eu roubei o tempo, a vontade e a quantidade. Eu roubei as memórias à dignidade.

Numa praia longínqua passeiam duas promessas. Se um dia tudo se resumir ao confronto entre as letras pretas e o espaço em branco, entre o distinto pelo sol e o intolerável da lua, temendo-se mutuamente, organizados em torno de ligações diferentes... As profecias desde o início preferem o lado solar; a lua, os seus discípulos, ficarão para trás, em preconceitos sem crime, com potenciais únicos para o mal. Milhares de anos e dezassete séculos para se ponderar a tabula rasa. Mas Zaratustra defendeu o contrário.

O amor é eterno e irreconciliável se o for. Estereotipámos heresias desproporcionais a objectos ficcionais. Finais viciados, felizes os bem-aventurados, tristes... os demais. Há balanças que não procuram o equilíbrio e aqui encontrei esta bolha de pureza cinzenta. Mas agora que há um autor por aí, hoje vai ser o dia em que recebo o que é meu.

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