Fortuna (ou Acerca de três Monólitos)

De conversa com o taberneiro. Na morte quem nos fala é a sorte. Para definir o que acontece nesta morte vou utilizar o vocabulário da sorte, pois a ela se deixa tudo. A morte, a que conhecemos de olhos fechados, corresponde a um mundo de possibilidades, ao negrume que podia enclausurar uma forma branca, num desenho ou numa escrita, mas num mundo onde só existe negro, sem formas que se pretendam.

O post-mortem de uma alma, que é julgado pelo acaso, não deixa de ter uma coacção purgatorial: a das causas da morte. Neste nosso ocaso, cada alma tem um ponto de partida, um receptáculo pelo qual chega. E o problema é a chegada em si. Uma vez cá, começam vários jogos, alguns naturais como a demanda do porquê da morte, outros mais aleatórios, na demanda do quê de ser.

Em primeiro lugar, cada alma que aqui chega, chega no momento em que o corpo reconhece que ficará em repouso naquele lugar por tempo indeterminado, seja esse lugar um caixão debaixo da terra, entre as pedras e as algas no meio do mar, ou em fumo no ar em cima. Quando aqui acordam (dentro do que podemos conceptualizar como acordar no pós-vida), saem de um monólito que surge mesmo aqui, neste casino. E existem três configurações que se reflectem nesse monólito.

Se o monólito estiver de pé, então as causas da morte (do acaso que é a morte) são desconhecidas, e a alma ficará perdida até descobrir a resposta ao porquê da morte. Se estiver inclinado, as causas são aparentemente inexistentes, e a morte, como aqui se gosta, foi produto único do acaso, pode até dizer-se natural. Mas se o monólito estiver rachado... então as causas da morte são conhecidas mas desconexas e a alma vai ficar à procura das suas razões para o resto da eternidade.

Este modus operandi da morte (que é este sítio e não uma entidade) vive de uma lógica de perdidos e achados. Há sempre a perda incontornável da vida. E há sempre a demanda maníaca do motivo. Não é que seja relevante.

Quando jogamos dados, a natureza só vê um cubo a cair e seguir o seu curso natural, a queda.
Quando jogamos cartas, ela vê folhas cair no chão, a queda.
Quando disparamos um revolver não há nada de natural nisso, a não ser a predisposição à queda.
Mas todos estes actos são voluntários, tanto na vida como na morte.

Há quem viva e há quem morra por contingência, a estes últimos não é dada a sorte do mundo, resta-lhes jogar eternamente contra uma sorte que não é natural - mas que é mais natural que o julgamento. Há tanta gente de passagem, nas máquinas, no bilhar, nas setas, nos dados, nas cartas, na roleta e na roda. Aos sonhos e aos amigos que se desvaneceram no esquecimento, só lhes resta o nosso desejo do eterno retorno... O dólmen que vi, se é um monólito dos que o taberneiro me escreveu ou não, ainda me faz comichão.

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